OS EFEITOS FISIOLÓGICOS DOS HORMÔNIOS ANDROGÊNIOS NAS MULHERES

  • Os andrógenos são esteroides que apresentam 19 átomos de carbono e estão associados às características sexuais masculinas. Eles são percursores da síntese dos estrógenos que apresentam 18 átomos de carbonos. Através da ação da enzima Aromatase a testosterona perde um átomo de carbono e se transforma em estrogênio. Dessa forma, existe uma sinergia muito grande entre esses dois hormônios sexuais, que apresentam ações fisiológicas bem distintas, porém complementares.
  • A título de curiosidade, o nome estrogênio é derivado do grego “oistros”, que significa literalmente “entusiasmo ou inspiração”, mas figurativamente paixão ou desejo sexual, e o sufixo -gen, que significa “produtor de”. Já na palavra androgênio, o termo gregos “andro” significa “homem, masculino”
  • Tanto os estrógenos quanto os andrógenos, possuem efeitos no desenvolvimento e manutenção da estrutura anatômica e funcional de tecidos genitais, como útero, vagina e ovários.
  • Nas mulheres, os andrógenos exercem uma função essencial sobre uma infinidade de tecidos e órgãos com efeitos na reprodução humana, sexualidade, comportamento, humor, massa muscular, massa óssea, sistema cardiovascular, mamas, pele, cabelos e etc.
  • A seguir, veremos um resumo dos principais efeitos fisiológicos dos androgênios nas mulheres.

 

1. EFEITOS NO DESENVOLVIMENTO FOLICULAR
  • Os andrógenos são fundamentais para o bom desenvolvimento do folículo nos ovários.
  • Tanto o excesso quanto a deficiência de androgênio estão associados a anormalidades no desenvolvimento folicular.
  • Os androgênios fornecem o substrato (percursores) para a síntese de estrogênio, através da conversão da testosterona pela enzima Aromatase em estrogênio, durante o desenvolvimento folicular.
  • É fundamental que haja um equilíbrio entre os níveis de androgênios e estrogênios dentro do tecido ovariano para a sua adequada funcionalidade.
  • Os androgênios em níveis muito elevados, pela limitada capacidade de aromatização dos folículos, tornam o microambiente folicular muito androgênico e podem causar atresia folicular.

 

2. EFEITOS NA FUNÇÃO SEXUAL
  • As evidências atuais mostram que os andrógenos desempenham um papel importante na função sexual feminina, mas a magnitude do papel é incerta.
  • Vários ensaios clínicos com o uso de testosterona exógena em mulheres peri-menopausicas e pós-menopáusicas mostraram uma influência positiva sobre alguns aspectos da sexualidade feminina, como número de episódios sexuais satisfatórios e interesse em sexo.
  • Os hormônios androgênios estão envolvidos no processo de ativação das vias neurais que causam a excitação sexual feminina. A testosterona, por exemplo, estimula a via dopaminérgica mesolímbica-cortical que é a via relacionada ao desejo, gratificação, recompensa, prazer e reforço.

 

3. EFEITOS CARDIOVASCULARES
  • Acredita-se que os andrógenos possam ser aterogênicos, devido a correlação inversamente proporcional entre o nível de testosterona e o nível de HDL. Esse é um dos fatores atribuídos ao fato de que os homens apresentam taxas mais altas de doenças cardiovasculares (DVC) do que as mulheres.
  • No entanto, há revisões sistemática dos estudos disponíveis constatando que não houve nenhum efeito adverso sobre a pressão arterial, reatividade vascular, viscosidade do sangue, concentração de hemoglobina, fatores de coagulação ou sensibilidade à insulina com o uso de testosterona em mulheres.

 

4. EFEITOS ANABÓLICOS E ANTI-CATABÓLICO
  • O modo primário de ação anabólica dos androgênicos é por meio da ativação direta do receptor do andrógeno (AR) celular no tecido muscular, aumentando a transcrição de genes da síntese de proteínas.
  • No músculo esquelético, a testosterona sinaliza um aumento na síntese das proteínas contráteis primárias, actina e miosina, gerando processo de hipertrofia.
  • Além disso, no tecido muscular, ocorre aumento do armazenamento de glicogênio, além de aumentar a síntese e o armazenamento de creatina, que são as principais reservas energéticas do músculo.
  • O aumento de força permite níveis de treinamento mais elevados que levam a danos musculares maiores e consequentemente um processo mais intenso de reconstrução e remodelamento de tecido muscular.
  • Mecanismos indiretos relacionados ao processo anabólico ocorrem através do aumento da liberação de outros hormônios de ação local ou fatores de crescimento dentro das células, além de estar relacionado à fatores que evitam o processo de degradação proteica (efeito anti-catabólico).

 

5. EFEITOS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC)
  • O sistema nervoso central (SNC) é um dos órgãos com maior densidade de receptores androgênicos (AR) do organismo.
  • Os androgênios desempenham um papel fundamental no humor, estado de alerta, agressividade, sensação de bem-estar, sensação de prazer e de recompensa e muitas outras facetas de nosso estado psicológico.
  • A testosterona pode reduzir a ação do GABA no hipotálamo, modular a neurotransmissão sináptica e alterar a ação da serotonina e da dopamina.
  • A testosterona também é conhecida para interagir com o sistema dopaminérgico mesolímbico cortical, que é conhecida como a via do prazer, da recompensa e da satisfação.
  • Estudos sugerem que os esteroides androgênicos influenciam a densidade do transportador de dopamina e aumenta a sensibilidade de ativação do sistema dopaminérgico do cérebro.

 

6. EFEITOS NO HUMOR E NA FUNÇÃO COGNITIVA
  • Tanto a pregnenolona quanto a dehidroepiandrosterona (DHEA), pertencem a um importante grupo de esteroides chamados neuroesteroides, pois podem ser metabolizados em várias regiões do sistema nervoso central (SNC).
  • Os neuroesteroides são considerados neuromoduladores, neuroprotetores e neurogênicos e regulam a neurotransmissão e a mielinização.
  • Alguns estudos apontam possíveis benefícios na função cognitiva e no humor com o uso de androgênios em mulheres.

 

7. EFEITOS NA SAÚDE ÓSSEA
  • Tanto os andrógenos quanto os estrógenos apresentam efeito regulador na homeostase esquelética.
  • Baixas concentrações séricas de andrógenos foram associadas a menor densidade mineral óssea (DMO) e a um aumento no risco de fraturas.
  • Estudos mostraram um efeito positivo do uso da testosterona na DMO e na redução do risco de fraturas.

 

8. EFEITOS NAS MAMAS
  • A terapia com testosterona não parece ter efeitos adversos na saúde das mamas das mulheres.
  • A densidade mamográfica não parece ser afetada pela adição de testosterona à terapia combinada com estrogênio.
  • No estudo observacional da Women’s Health Initiative (WHI), a terapia combinada de estrogênio com testosterona não mostrou estar associada a um risco aumentado de câncer (CA) de mama.
  • Porém, mulheres com histórico pessoal ou familiar de CA de mama podem ser contraindicadas ao uso de terapia androgênica.

 

9. EFEITOS NO ENDOMÉTRIO UTERINO
  • A maioria dos andrógenos pode ser aromatizada em estrógenos nos tecidos periféricos, o que em teoria poderia contribuir para a hiperplasia endometrial (proliferação anormal das glândulas do endométrio).
  • Algumas mulheres em uso de terapia androgênica podem desenvolver sangramento uterino anormal (SUA).
  • Apesar disso, não há evidências comprovando que o uso de terapia androgênica aumenta o risco de hiperplasia endometrial ou câncer de endométrio.

 

10. EFEITOS NA PELE E CABELOS
  • Os andrógenos podem contribuir para o aumento da oleosidade da pele e para a acne vulgar, pois provocam hipertrofia das glândulas sebáceas e aumentam a produção de sebo na pele.
  • Além disso, eles podem causar aumento do tamanho do folículo capilar, do diâmetro da fibra capilar e da duração de tempo que os fios terminais passam na fase anágena.
  • O excesso de androgênios em mulheres pode levar ao aumento do crescimento de pelo na maioria dos locais sensíveis aos androgênios (lábio superior, queixo, esterno médio, abdômen superior, costas e nádegas).
  • Já no couro cabeludo, eles podem exacerbar a queda através do evento fisiológico chamado de eflúvio telógeno, que ocorre quando uma grande quantidade de folículos que normalmente permaneceriam na fase anágena mudam para a fase telógena, ocasionando em uma queda aguda mais exuberante.
  • Além disso, as mulheres suscetíveis geneticamente, com alopecia androgênica, podem ter uma aceleração da perda capilar com o uso de androgênios.

 

SÍNTESE DOS HORMÔNIOS ANDROGÊNIOS NAS MULHERES

  • Agora que já vimos os efeitos fisiológicos dos androgênios nos mais diversos tecidos e órgãos nas mulheres, vamos entender como ocorre a produção deles no organismo feminino.
  • A biossíntese dos androgênios nas mulheres ocorre em dois órgãos principais, nos ovários e nas glândulas suprarrenais, com uma participação muito equilibrada de ambos.
  • Nas suprarrenais, o estimulo se inicia pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e nos ovários, pelo hormônio luteinizante (LH).
  • Posteriormente, uma série de enzimas transformam os hormônios primários com menor potencial androgênico em hormônios com maior afinidade com os receptores androgênicos, causando os efeitos fisiológicos descritos acima nos tecidos periféricos.
  • A figura abaixo ilustra os principais andrógenos produzidos pelas mulheres em ordem decrescente das concentrações séricas e em ordem crescente do potencial de ação androgênica.

 

1. SULFATO DE DESIDROEPIANDROSTERONA (S-DHEA)
  • É o andrógeno mais abundante e de ação mais fraca.
  • Produzido exclusivamente pela glândula adrenal sob influência do ACTH.
  • Os níveis circulantes estão na faixa de 80 a 700 mcg/dL, porém variam significativamente de acordo com o laboratório de análise.
  • Ocorre um decréscimo gradual na sua produção ao longo da vida, reduzindo para apenas 10 a 20% de concentração de pico na senilidade.
  • O S-DHEA apresenta uma meia-vida de aproximadamente 10 a 20 horas e, ao contrário do DHEA, suas concentrações não sofrem influência do ritmo circadiano. Por isso, é preferível a dosagem laboratorial do S-DHEA em relação ao DHEA.

 

2. DESIDROEPIANDROSTERONA (DHEA)
  • O DHEA é produzido na:
    1. Glândula adrenal (50%)
    2. Ovário (20%)
    3. Conversão periférica de S-DHEA (30%)
  • As concentrações séricas de DHEA variam de 120 a 900 ng/dL, porém variam significativamente de acordo com o laboratório de análise.
  • O DHEA pode ser reconvertido em S-DHEA na adrenal, fígado e intestinos pela enzima sulfotransferase.
  • No tecido periférico, pode ser convertida em andrógenos mais potentes como a androstenediona e a testosterona, ou pode ser convertida em estrógenos, como o estradiol.
  • Devido ao seu baixo efeito androgênico, a sua atividade androgênica é atribuída à sua conversão periférica à testosterona.

 

3. ANDROSTENEDIONA (A4A)
  • Hormônio androgênico de baixa potência, derivado da 17-hidroxiprogesterona e da dehidroepiandrosterona (DHEA).
  • A androstenediona é produzida na:
    1. Glândula adrenal (50%)
    2. Ovário (50%)
  • Os níveis circulantes estão na faixa de 0,3 a 3,7 ng/mL, porém variam significativamente de acordo com o laboratório de análise.

 

4. TESTOSTERONA (T)
  • A testosterona é produzida na:
    1. Glândula adrenal (25%)
    2. Células da teca e no estroma ovariano (25%)
    3. Conversão periférica pela enzima Aromatase a partir da androstenediona (50%)
  • Os níveis circulantes estão entre 15 e 70 ng/dL (0,5 a 2,08 nmol/L) com concentrações mais baixas durante a fase folicular inicial seguidas por um aumento relativo no meio do ciclo.
  • As taxas de produção diária em mulheres estão na faixa de 0,1 a 0,7 mg/dia, em comparação com os homens que produzem entre 5 a 9 mg/dia.
  • Quase toda da testosterona circulante (99%) está ligada a proteínas carregadoras como a SHBG (cerca de 44%) e a albumina (cerca de 54%).
  • A testosterona e outros hormônios esteroides ligam-se muito mais avidamente à SHBG do que à albumina (com uma afinidade cerca de 1.000 vezes maior), no entanto, a albumina está presente em um nível 1.000 vezes maior que SHBG.
  • Essa alta afinidade da testosterona com a SHBG, torna essa testosterona não biodisponível aos tecidos periféricos, causando um efeito de tamponamento e não necessariamente de transporte sanguíneo.
  • Qualquer impacto na concentração de SHBG afeta a concentração de testosterona biodisponível aos tecidos interferindo nos seus efeitos fisiológicos.

 

5. DIIDROTESTOSTERONA (DHT)
  • Produzido a partir da conversão periférica da testosterona, pela enzima 5-α redutase, que é encontrada em tecidos sensíveis a andrógenos, como por exemplo a pele.
  • A DHT é um andrógeno não aromatizável, significativamente mais potente do que a testosterona, em grande parte devido à ligação mais ávida ao receptor de andrógeno.
    • In vitro, a DHT se liga ao receptor de andrógeno com uma afinidade 10 vezes maior do que a testosterona.
  • A diidrotestosterona pode sofrer inativação pelas enzimas 3-alfa e 3-beta-hidroxiesteroide desidrogenase (3-alfa-HSD e 3-beta-HSD), presente em vários tecidos como músculo, tecido adiposo e fígado, formando andrógenos muito mais fracos como o 3-alfa-androstanodiol e o 3-beta-androstanodiol.
    • Os metabólitos da DHT atuam como neuroesteroides através da atividade biológica independente de AR, desempenhando ações importantes no SNC com efeitos no humor, estado de alerta, disposição e desejo sexual.
  • A concentração sérica da DHT nas mulheres é relativamente baixa, pois é um andrógeno predominantemente intracelular.
  • Os níveis circulantes estão entre 50 e 250 pg/mL.

 

CONCLUSÃO

  • Nesse resumo, discorri de maneira sucinta a respeito da síntese de hormônios androgênios nas mulheres e suas ações fisiológicas nos mais diversos tecidos e órgãos.
  • Nos próximos resumos, discutirei as consequências da falta desses hormônios, assim como, os efeitos do excesso de hormônios androgênicos no organismo feminino. Não perca!

 

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